Calmamente a mãe se coloca à cozinhar
Sorrateiramente o tempo passa e não diz
Devagar os olhares começam a se cruzar
Em um simples instante a vida pulsa feliz
Sentado à mesa um filho se põe a tirar, lixar e pintar
As unhas refletem a alheia sensação do dever aceitar
Afinal, uma solução pontual pra tal disparate não há?
De fato, para este filho o intuito era o puro desfeitear
Maldades da alma e o doce gozo do aprazível vingar
Inexplicavelmente o cansaço e a felicidade condizem
Estão expressas na face daqueles que adentram a sala
Depois do trabalho, pai e irmão saboreiam a vertigem
Do merecido descanso que na alma o trabalho instala
Abruptamente uma nova zonzeira é apreendida e fixada
São as unhas mal pintadas que lhes berram logo de cara
“Ora, é meu filho limpando o esmalte com tanta graça?”
Repentina fantasia da alma que logo rejeita a coisa dada
Um tiro no íntimo vindo da suposição oculta agora clara
Olhares murchos desvendam o apropriado e custoso pensar
Como não aceitar aquele teu pedaço que lhe impõe o amar?
A dádiva do amar confere a manente necessidade de mudar
Renovar as concepções do espírito que perseveram em ficar
O novo se apresenta de cara amassada
Cabe ao tempo lhe dar uma engomada
A alma aceita e tranqüiliza modificada
A vida segue levemente mais adequada
A poeira abaixa, a unha quebra e o esmalte descasca
Só nos basta lixá-la e novamente pintá-la de uma cor nada opaca...
Felipe Fontana.
Para trilha sonora eu escolhi Marianne Faithfull com a bela canção "Oh Look Around You":